sexta-feira, 19 de abril de 2013

Indios Tremembé de Almofala- 19 de Abril dia do Indio.



Cacique João Venâncio

Os Tremembé de Almofala

Em Almofala teria sido o antigo aldeamento dos Tremembé. É onde fica a chamada “Terra da Santa” ou “Terra do Aldeamento”, que os Tremembé afirmam ter sido concedida aos índios no passado. Eles não vivem num único lugar, nem a categoria “aldeia” descreve bem a situação. De fato, os Tremembé habitam diversas localidades numa ampla dimensão geográfica. Na sua ampla maioria, trabalham como pescadores e agricultores.

Os Tremembé de Almofala convivem com diversos grupos sociais numa situação interétnica bastante complexa, heterogênea e tensa. Desde a segunda metade do século XX, tem havido grave problema de concentração fundiária e controle dos fatores de produção, sobretudo a terra, por parte de proprietários, comerciantes e posseiros de origem extra-local. Esse processo social, acelerado na década de 1980, coincidiu com o crescimento demográfico tanto de regionais como de pessoas de origem indígena. A grande maioria dos Tremembé tem vivido em pequenos lotes de terra de um ou dois hectares, comprimidos por extensos cercados de plantação de coqueiro, cultivo priorizado pelos proprietários e comerciantes regionais que ali se instalaram.

No caso, havia articulação entre o plantio em larga escala do coqueiro e a esfera produtiva da pesca, sobretudo a da lagosta, que se destacavam na situação de Almofala. Os donos de embarcações e currais de pesca eram também os principais plantadores de coqueiro em grandes propriedades. Havia extrema diferenciação social entre, por um lado, uma minoria de proprietários de embarcações e currais ou plantadores de coqueiro e, de outro, uma maioria de pescadores e agricultores. O grupo dominante local era relativamente homogêneo, composto de pessoas que mantêm vínculos próximos e trajetória de vida bastante similar. Além do controle econômico, o grupo dominante tem ocupado regularmente cargos políticos no município de Itarema.

Os Tremembé de Almofala mantinham tradicionalmente a dança do “torém”. De fato, ela deve ser considerada como uma das formas sociais de aglutinação e de organização dos antigos Tremembé. O controle da tradição era, porém, restrito. Em meados dos anos 1970, porém, o torém vai catalizar ainda mais essa potencialidade de organização, reunindo pessoas que eram vistas como “descendentes” dos índios. Nessa época, a atuação de pesquisadores do Instituto Nacional de Folclore foi decisiva para a renovação e ampliação do grupo de dançarinos do torém. Não havia, contudo, uma mobilização social e política objetiva em termos étnicos. Dentre os dançarinos, um homem passou a agir como intermediário nas relações com regionais e agentes extra-locais, especialmente na negociação de apresentações do grupo em atividades públicas de cunho folclorista. De início, esse intermediário foi alçado como “capitão dos índios”, reatualizando a função mantida até Chico de Barros. Como “capitão”, organizava a dança. Era ele quem decidia o "negócio", o retorno monetário pela apresentação.

Pode-se afirmar que a figura do “cacique” foi produzida em tempos mais recentes, muito provavelmente a partir de meados da década de 1980, quando missionários católicos e, depois, os agentes da Funai passaram a atuar. De fato, o “capitão” que organizava o torém foi conduzido à posição de “cacique” por conta dos efeitos do campo indigenista no estado do Ceará. Essa liderança Tremembé passou a ser nomeada e tratada como “cacique” depois de um dos primeiros encontros de povos indígenas do Nordeste que participou. Se antes a autoridade do “cacique” era pouco normatizada em termos políticos, ela foi progressivamente se cristalizando, especialmente em termos de liderança e intermediação política diante de agentes e grupos externos. Do mesmo modo, passou a assumir representatividade política diante de outras lideranças indígenas.

Se havia formas de organização social e política dos Tremembé na situação de Almofala, elas careciam de maior mobilização e engajamento populacional. A maioria das pessoas que se identificava como de origem indígena se colocava normalmente à distância da mobilização étnico-política. Isso impedia que uma massa populacional mais consistente pudesse ser vista como unidade coesa e com finalidades políticas mais definidas ao menos até meados da década de 1990. Mais recentemente, como veremos, esses entraves de mobilização parecem ter sido em parte reduzidos por conta dos efeitos de políticas públicas, tais como educação e saúde diferenciadas.

Os Tremembé da Tapera e da Varjota

Na margem direita do rio Aracati-mirím, as terras do antigo aldeamento dos Tremembé extremavam com um número reduzido de antigas fazendas. Essa área é conhecida como Tapera, apesar do amplo número de sub-divisões geográficas. No passado, seus moradores mantinham relações de patronagem e clientela com os donos das fazendas limítrofes da “Terra do Aldeamento”. No fim da década de 1970, muitas das fazendas foram adquiridas por empresas agroindustriais voltadas ao plantio de coqueiro. Muitas famílias que viviam na região da Tapera e seus arredores foram despejadas de suas terras por uma destas empresas, a Ducoco Agrícola S.A, que adquiriu a antiga fazenda São Gabriel. A empresa formou, inclusive, uma vila especial para os moradores que permaneceram, que passaram a trabalhar como empregados no plantio de coqueiro. Contudo, a grande maioria das famílias vivendo nas localidades da Varjota, do Córrego Preto, do Amaro e da Batedeira permaneceu a despeito da pressão de remoção.

Na década de 1980, foi formada uma Comunidade Eclesial de Base (CEB) reunindo os moradores da Varjota, do Amaro e do Córrego Preto, assessorados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Diocese de Itapipoca. A organização da CEB da Varjota foi pioneira em toda região. A CPT de Itapipoca garantiu apoio judicial contra a empresa Ducoco. Ao invés de buscarem a desapropriação da Varjota, uma ação de usucapião foi levada adiante contra a empresa em 1984. Ficando a ação sub júdice, a Varjota passou a formar um enclave, cercado, por um lado, pelo rio e, por outro, pelos coqueirais da firma. Assim, não passam pelos mesmos problemas de terra como vivenciam os Tremembé da Almofala.

Do mesmo modo que na situação de Almofala, os membros da “Comunidade” afirmavam que viviam na “Terra do Aldeamento”. Contudo, não organizavam a dança do torém. Mantinham poucos sinais diacríticos ou símbolos culturais de base étnica. Além disso, distinguiam-se por conta da mobilização pastoral-camponesa, que foi crucial no conflito com a empresa Ducoco. Eram filiados ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itarema e ao diretório municipal do Partido dos Trabalhadores.

Se os laços de parentesco, afinidade e compadrio eram difusos e impunham uma feição coesa dos membros da “Comunidade” da Varjota, não tinham nenhum tipo de organização social e política centrada na figura do “capitão”, nem do cacique de índios, muito menos em torno do torém. No entanto, a coesão interna era o aspecto organizacional que dava contraste diante dos Tremembé de Almofala. Havia uma vida social relativamente autônoma, sem a mesma gravidade de conflito interétnico como na Almofala.

Em meados da década de 1980, iniciou-se também a atuação de missionários católicos, que foi fundamental para a redefinição do perfil organizacional, das demandas políticas e dos investimentos étnicos dos membros da “Comunidade” da Varjota. A presença missionária vem estimulando a diferenciação étnica, conseguindo estabelecer uma franca normatização de suas práticas. Além disso, eles passaram a atuar junto de pessoas e famílias que viviam em localidades que subsistiam dentro das terras da empresa Ducoco, na antiga área da Tapera e em lugares como a Batedeira. Os missionários contribuíram para que as mulheres da Varjota organizassem atividades culturais de perfil étnico, criassem sinais diacríticos, como cultura material e artesanato “indígena”, e até inventassem o torém da “Comunidade”, cuja organização era basicamente feminina e jovem, uma das várias características que contrastam com a dança mantida tradicionalmente na Almofala.

Num período mais recente, os Tremembé da Varjota passaram a aceitar a intermediação do cacique de Almofala em decorrência, sobretudo, dos arranjos políticos suscitados pelos missionários. Não há, porém, autoridade absoluta na função. A intermediação ficava restrita e contextualizada a níveis e eventos extra-locais. Assim, a “unidade” étnico-política Tremembé, buscada pela ação missionária, era muito frágil no plano local.

Na trajetória histórica dos habitantes da Varjota, dois referenciais serviram como alternativas para sua mobilização social: a organização em “Comunidade” como trabalhadores rurais e os investimentos étnicos como “índios Tremembé”. Tais investimentos derivaram da convergência entre a normatização missionária e referenciais étnicos que tinham ao seu alcance e puderam ser atualizados, tal como a semântica da etnicidade. Eles não se restringiram aos vínculos e referenciais da CPT (Comissão pastoral da Terra), as relações com as outras CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) da região, a participação em entidades como o Sindicato e o PT, voltados a mobilizações camponesas. Por meio de seus investimentos, os Tremembé da Varjota procuravam averiguar as possibilidades de mobilização étnica e da invenção de formas culturais de roupagem “indígena”. Nesse sentido, a situação da Varjota mostra como a construção da etnicidade indígena podia se dar paralelamente à mobilização camponesa.

Os Tremembé do Córrego do João Pereira

A situação do Córrego do João Pereira engloba um conjunto de localidades do município de Itarema, que distam 18 Km de Almofala, ou seja, numa região que não fazia parte do patrimônio territorial do antigo aldeamento dos Tremembé. Atualmente, as localidades de São José, Capim-açu, Cajazeiras e Telhas compõem a Terra Indígena Córrego do João Pereira.

Os Tremembé do Córrego do João Pereira passaram por diferentes situações históricas. Eles lembram que os primeiros habitantes do lugar teriam sido famílias de índios Tremembé, os Suzano, que teriam fugido da seca que assolava Almofala em 1888. Ali viveram até a chegada de um imigrante italiano, Vicente Pongitori, que passou a controlar uma extensão de terra para a criação de gado na década de 1920. Os descendentes de Pongitori registraram a terra no cartório, mantendo os antigos descendentes de índios como moradores e obrigando-os a pagar renda e trabalhar nas roças do fazendeiro, ou empregados como vaqueiros. Essa situação típica de um sistema de patronagem, o “tempo dos patrões”, segundo os relatos dos Tremembé, perdurou até a década de 1980.

Nos sessenta anos de controle das terras por parte dos fazendeiros, vários conflitos se processaram. Muitos moradores foram expulsos. Contudo, o conflito de maior gravidade ocorreu com a família Teixeira que se estabeleceu no Capim-açu em 1954. Por não pagarem renda e nem trabalharem para o fazendeiro, iniciaram-se ações contra eles. O caso chegou à justiça nos anos 60. Em 1967, os Teixeira foram expulsos do Capim-açu, tendo que deixar as benfeitorias plantadas. Suas casas foram derrubadas e desde então se produziu a diáspora familiar, que até hoje é relembrada. Eles tentaram retornar ao lugar nos primeiros anos da década de 70, só que foram outra vez expulsos.

Na década de 1980, o domínio dos fazendeiros voltou a ser contestado. Algumas famílias deixaram de pagar a renda, o que gerou um novo cenário conflitivo com a queima de roçados, a destruição de casas de farinha e ameaças de capangas. Um dos líderes molestados, conhecido por Patriarca, procurou agências capazes de ajudá-los, tal como o Incra no Ceará. Pediram apoio também ao recém-criado Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itarema, cujo presidente era oriundo da “Comunidade” da Varjota. Rapidamente, em janeiro de 1987, as terras do Capim-açu foram desapropriados pelo Incra e logo depois boa parte da fazenda São José. Com a desapropriação, houve a reintegração de seis grupos domésticos da família Teixeira, expulsos quinze anos antes.

Dentre os assentados pelo Incra, havia uma densa rede de parentesco ligando as famílias Suzano e Santos, que viviam nas localidades há gerações. Além deles, encontravam-se as famílias Teixeira e algumas outras mais, formadas por antigos moradores da fazenda São José, inclusive vários vaqueiros e antigos capangas do fazendeiro. Assim, o cadastramento não levou em consideração as diferenças sociais internas. Antigos moradores e vaqueiros foram assentados sem que suas trajetórias fossem avaliadas, o que logo provocou divergências entre eles. Assim, encontravam-se os antigos perseguidores dos Suzano e dos Teixeira, todos juntos numa unidade sócio-política artificial, forjada por mecanismos políticos externos.

Com a desapropriação, o conflito interétnico emergiu de modo acentuado, primeiramente envolvendo Patriarca e os Teixeira, mas depois se generalizando. A questão da origem étnica, de ser ou não ser “índio”, elevou-se a um patamar que não havia nem no “tempo dos patrões”. Antes, o antagonismo entre os moradores da fazenda não se pautava pelo fator étnico. Foi o líder Tremembé Patriarca quem colocou os “direitos dos índios” em evidência, criando tal alternativa ideológica no horizonte da desapropriação. Na época, não havia atuação dos missionários que agiam em Almofala e na Tapera/Varjota. Contudo, Patriarca buscou apoio de uma ONG cearense, que atuava na esfera dos direitos humanos, como reação à prática e à ideologia fundiária do Incra, que destacava a figura política dos trabalhadores rurais. Assim, tanto o líder Tremembé como a ONG passaram a apelar pela interferência da Funai a fim de converter a situação fundiária de “terra desapropriada” para Terra Indígena.

O faccionalismo envolvendo os assentados na terra desapropriada continuou ao longo de toda a década de 1990. De fato, a situação histórica do Córrego do João Pereira mostrou o entrechoque de facções que modificaram suas feições, no sentido da composição de seus membros e líderes como no conteúdo oscilante de seus "projetos", e articularam alianças e divergências políticas internas de acordo com a interferência de agências e das possibilidades que podiam advir de seus posicionamentos.

 





Um comentário:

  1. A aldeia indígena recebe visitas? Sou professor de uma escola em Moraújo e queria levar os alunos para visitarem a aldeia.

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