domingo, 5 de junho de 2011

As consequências do novo Código Florestal

“Existem surpresas que a floresta pode reservar ao homem quando ele desmata."

O sertão vai virar mar e o mar virar sertão.” A profecia do beato Antônio Conselheiro, que já virou até tema de música, parece absurda, mas nos últimos anos tem se tornado cada vez mais real, com catástrofes como, por exemplo, as grandes inundações no Nordeste brasileiro. A recente decisão da Câmara dos Deputados de alterar o Código Florestal do país é uma mostra de que, no entanto, a natureza não age sozinha.

Movimentos sociais, ambientalistas, parlamentares, cientistas e ex-ministros de meio ambiente consideram que as consequências dessas alterações no Código Florestal podem ser muito danosas para a população brasileira. O texto ainda precisar ser aprovado pelo Senado e sancionado pela presidente Dilma Roussef antes que passe a vigorar. Com isto, movimentos sociais acreditam que ainda é possível reverter o quadro.   No dia 24 de maio, quando a proposta foi apreciada na Câmara, apenas 63 deputados foram contra as alterações, enquanto 410 as aprovaram.

O resultado revela que a cultura do cuidado ambiental, de tudo isso que o planeta vem nos alertando, com o aquecimento global, os extremos climáticos, os processos de desertificação, ainda não é hegemônica na própria sociedade brasileira. Se houvesse um plebiscito nacional sobre o Código Florestal, eu tenho a impressão de que a manutenção do atual Código venceria”, avalia o deputado federal Chico Alencar (Psol/RJ).

Entre os partidos políticos, Psol e PV foram os únicos unânimes na crítica à proposta e na defesa do atual código florestal. Embora o governo tenha criticado alguns pontos da proposta, dos 81 parlamentares do PT que votaram, somente 35 se posicionaram contra as alterações na lei (veja a lista dos votantes).

O que me choca bastante é não se perceber que uma das singularidades e força do Brasil no mundo é a nossa biodiversidade, que está rigorosamente ameaçada”, diz Chico Alencar. Para o professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), André Burigo, se o Código for aprovado também no Senado e sancionado pela presidente, o país também perde a oportunidade de discutir o modelo de desenvolvimento para o campo brasileiro.

O Brasil é o país que concentra a maior disponibilidade de terras férteis e aráveis e também a maior quantidade de água doce. Esse debate do Código Florestal não cabe, portanto, a um grupo pequeno, mas a toda a sociedade”, defende. O pesquisador lembra que, no mesmo dia em que o Código foi votado na Câmara dos Deputados, dois militantes que atuavam em defesa do modelo agroecológico para a agricultura brasileira foram assassinados no Pará.

 “A morte de José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva não foi uma triste coincidência, porque todos os dias são assassinados trabalhadores rurais pobres no campo brasileiro, mas o fato ajuda a engrossar o grito em defesa da floresta e da biodiversidade, no sentido de que o modelo de desenvolvimento para o campo não pode ser discutido de maneira fragmentada. Não há esforços do governo federal para enfrentar o debate do modelo de desenvolvimento no campo”, critica.

Principais mudanças

Entre as principais mudanças aprovadas pela Câmara dos Deputados está a permissão para atividades de agricultura e pecuária em Áreas de Preservação Permanente (APP), como encostas, topos de morro e margem de rios, que já tenham sido ocupadas com essas atividades até julho de 2008. Para o engenheiro florestal, Luiz Zarref, da Via Camponesa, estas alterações implicam problemas graves, como o avanço ainda maior do desmatamento.

Ele comenta que há um equívoco na interpretação do que pode ser considerado como áreas já ocupadas. O texto usa o termo “áreas consolidadas” para se referir aos espaços onde já existem essas atividades. “Essa regra da área consolidada só deveria valer para a agricultura familiar, porque a agricultura familiar tem hábitos históricos e centenários de cultivos nessas áreas. Já o latifúndio normalmente se expande por fronteira agrícola, que foi desmatada nos últimos 20 anos. Então, não dá para considerar áreas consolidadas dos grandes”, critica. 

Zarref acredita que, mesmo sem ainda estar vigorando, foi justamente essa concepção que acarretou um grande aumento do desmatamento anunciado recentemente pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), que detectou a derrubada de 477 km² de floresta no Mato Grosso. “O texto diz que o que foi desmatado até 2008 é que será considerado como área consolidada, mas quem garante que determinada área foi mesmo desmatada até 2008 e não agora em 2011? Por imagem de satélite? Nem todo o país é coberto por imagem de satélite”, questiona.
fonte: blog jonas mello

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